15/01/11

As "Jardelices", o Acórdão Bosman e 2 outras boas formas de entrar num jogo a ganhar


Rezam as crónicas que certo dia, quando inquirido sobres as suas impressões acerca de determinado jogo, "O Mago" Helenio Herrera respondeu prontamente: - "Já tínhamos vencido o jogo antes de sairmos do autocarro". Segundo consta, queria o lendário treinador referir-se à chamada "vantagem psicológica" que a sua equipa (o Inter, creio...) detinha sobre quase todos os adversários que encontrava pelo caminho: ao que parece, a maior parte deles, mesmo antes de defrontarem a tal equipa no campo, confrontados com o seu poderio teórico, anteviam a derrota como o desfecho certo da contenda. O resultado, surpresa das surpresas, era mesmo, na grande maioria dos casos... a derrota, claro!

Há muitas formas de partir para o jogo "em vantagem". Esta, a que Helenio se referia, é a mais comum: o adversário teoricamente mais fraco teme o poderio (muitas vezes meramente aparente...) do oponente mais forte, mais rico ou mais "influente". Em relação a estes casos, não há muito a fazer a não ser mentalizar os jogadores da primeira equipa de que o jogo se joga em campo, durante 90 minutos e é aí (e apenas aí...) que o jogo se ganha e se perde (ou se empata...).

Todavia, existem outras formas de "vantagem", mais obscuras, menos leais e menos justas. Ninguém gosta muito de falar destas situações: para uns são "dado adquirido" e para outros são "desculpas de mau perdedor". Seja como for, o futebol é um jogo de equipa com 11 jogadores de cada lado, para jogar no campo, em que os adversários medem forças em constantes movimentos de avanços e recuos, num espectáculo de beleza peculiar.

Mas nem sempre os pratos da balança estão equilibrados... E não nos choca que assim seja: mais dinheiro permite melhores condições, melhores executantes, melhores treinadores... Tudo bem, isso é futebol, enquanto o desnível assente nessas variáveis e noutras conexas. Piores são as outras...

Introduzo aqui a questão da aquisição temporalmente inadequada dos direitos desportivos de atletas com preponderância na equipa adversária, no hiato que antecede o jogo entre as duas equipas. Sim, falo por exemplo, na aquisição do atleta Jardel pelo Benfica nas vésperas do jogo deste clube com o Olhanense, o antigo clube do jogador. Dir-me-ão: - "O Benfica ganhava na mesma, e até ganhou por 5-0!". Talvez, ou talvez até ganhasse 10-0 com o jogador em campo, mas nunca vamos saber: o treinador do Olhanense preparou o jogo contando com aquele jogador e vê-se privado dele horas antes do jogo. Aí está a vantagem. Claro que não há nada de ilegal nisto: houve acordo do Olhanense (pressionado ou não pela Traffic) e estamos em tempo de reabertura do mercado. Resultado da história: game, set, match. Limpinho. Mas não seria mais bonito esperar pelo fim do jogo para completar o negócio? E que dizer do facto de aquele atleta não poder dar o contributo ao Olhanense naquele jogo, mas ainda ser autorizado a fazer uma perninha no jogo deste fim-de-semana? Pois: vantagem...

Caso diferente, de contornos bem mais complexos, mas igualmente legais é o do nosso/deles Nuno Coelho... O ainda (?) atleta da Briosa já se comprometeu com o referido clube de Lisboa para a próxima temporada, mas continuará em Coimbra até final do actual campeonato. Como disse, também aqui não se apontará qualquer ilegalidade: um dos artigos da parte decisória do Acórdão Bosman permite-o expressamente em nome (diz-se...) da liberdade de circulação de trabalhadores no espaço comunitário. E pronto, um jogador que joga (?) pela Académica sabe que no próximo ano representará (ou não...) o SLBê (justamente o adversário da Briosa este fim-de-semana...). Imagine-se agora (no plano das probilidades, claro...) que este era o último jogo do campeonato e Académica e Benfica lutavam por uma presença na Champions: marcaria Nuno Coelho o golo decisivo que classificaria a Briosa e que paradoxalmente o atiraria, a ele e ao seu Benfica, para fora da referida competição, negando-se a ele próprio uma oportunidade única? Talvez sim, talvez não... Nunca saberemos e aí já estará em causa o brio profissional do atleta. De qualquer forma, poderia surgir oportunidade para vantagem... Lá está... Claro que nada disto está em causa: o jogador não joga este fim-de-semana porque (diz-se, e eu quero acreditar) está lesionado... Ainda assim, há um aspecto que não quero deixar passar em claro: é quase impossível que estas movimentações não afectem a psique de um jogador e venham a reflectir-se no rendimento do próprio (e eu ainda me lembro de o jogador em causa fazer bons jogos, antes, claro, de tudo isto...). Não joga (vantagem), mas se jogasse: vantagem...

Outra forma de vantagem é a pressão sobre o árbitro e temos, no nosso futebolzinho, verdadeiros especialistas nesta matéria. E não é difícil ter sucesso: primeiro, aparece o chorão do costume a afirmar que o seu clube foi prejudicado no jogo da primeira volta; acto contínuo, ameaça-se com um boicote dos seus adeptos aos estádios adversários (como se o futebol em Portugal só existisse porque um clube ganhou, nos idos de 60, duas Taças dos Campeões...); por fim, nomeia-se um árbitro a condizer (e aí está o El-Manus pronto para meter a mãozinha...). Pim, pam, pum! Está feito: vantagem...

Por último, junte-se ao cozido um estádio vestido com as cores do estarola (culpa nossa...) e lá vem mais uma vantagem...

E é assim, o Benfica pode ser melhor amanhã, jogar melhor e ganhar por muitos (justamente ou não, é o que veremos...) e também pode perder ou empatar: é futebol, e não é amanhã que vou deixar de gostar da bola. Também não nos roubaram nada (ainda...) e amanhã serão (no campo) onze contra onze (pelo menos é o que se espera, porque às vezes expulsa-se logo um jogador para acabarem as confusões...). Mas, como disse, doa a quem doer, há subtilezas, há alavancas e formas de acrescentar algo mais a uma equipa, retirando-o à outra: as tais vantagens...

Por mim, espero um bom jogo, correcto e bem arbitrado, em que ganhe o melhor e que o melhor seja, amanhã, a nossa Briosa.

Saudações Académicas,

Pedro Monteiro Almeida

5 comentários:

Pedro Santos disse...

Excelente texto. Tudo verdades que os adeptos estaroleiros não gostam de ouvir. Parabéns.

Nuno AACosta disse...

Sugiro que envie esse texto para os jornais desportivos, porque a veracidade dos factos não é ferida em nem uma palavra do referido texto

mitic0 disse...

Texto clarividente e infelizmente real.

É nisto que também nos distinguimos (ou temos de).

pmalmeyda disse...

Afinal, não me enganei muito...

pmalmeyda disse...

Obrigado pelos elogios, mas não creio que os nossos jornais desportivos estejam disponíveis para publicar "ataques" aos seus queridos estarolas... Mesmo que não se diga qualquer mentira.

Saudações Académicas