07/02/11

A Académica de José Guilherme: reparos de ordem táctica

À hora de almoço tive oportunidade de ler a crónica do "Diário de Coimbra", escrita pelo jornalista Mário Martins sobre o jogo de ontem.
Uma passagem em particular mereceu a minha atenção e é precisamente para ela que quero chamar também a vossa.

Em duas ou três linhas, diz aquele jornalista: "A Académica (...) mostrou que tem uma “matriz” medrosa, que pensa sobretudo em defender. Nuno Coelho surge, muitas vezes, como 3.o “central” e isso acaba por condicionar o futebol da Briosa, sobretudo na saída para o ataque."

Costumo dizer que a melhor forma de ler um texto alheio é vermos nele aquilo o queríamos ter dito ou escrito, é sentirmos nele o reflexo do que pensamos. Nem mais. Mário Martins conseguiu, em parcas palavras, deixar o "mote" para aquele que considero ser o grande (melhor, o "enorme") problema de ordem táctica que a nossa amada Briosa tem evidenciado (e fiz questão de comentar isso mesmo durante o jogo de ontem com os que me acompanhavam).

Do que temos visto até agora, a Académica tem sido arrumada num de dois sistemas preferenciais de jogo (cuja alternância depende, obviamente, do adversário, do resultado do jogo, ou dos objectivos com que se partiu para o mesmo): um 4-3-3 (a que chamaria "híbrido", por se diferenciar do "clássico" nos movimentos verticais e laterais dos jogadores no terreno); ou um 4-1-3-2 (este sim, mais "clássico" na medida em que opta pela colocação de uma espécie de losango no centro do terreno, com um jogo mais "posicional").

Não é difícil ressuscitar exemplos em que um e outro sistema obtiveram êxitos retumbantes: dos famosos 4-3-3 dos finais do séc. XX e inícios do séc. XXI (vejam-se as equipas de Van Gaal, Wenger...), aos "losangos" de Mourinho no FCP de 2003. Mas não basta, naturalmente, "optar" por aquele de que se gosta mais: é preciso adaptar o sistema aos jogadores que existem no plantel (mais ainda quando o novo treinador chega ao clube a meio da época e tem de "jogar" com jogadores que não escolheu).

Voltando à Briosa, Jorge Costa alinhava num 4-3-3 de (contra-) ataque. Os resultados deste sistema eram uma equipa tremendamente concretizadora, mas extremamente débil no capítulo defensivo. Quer dizer, a equipa não se preocupava muito na forma como ganhava a bola, o que interessava era manter uma pressão constante entre as primeira e segunda fases de construção do adversário e colocar a bola no ponta-de-lança da forma mais rápida possível (normalmente, pela via da rapidez dos alas ou do avanço alternado de dois elemento do meio-campo, com a ajuda de um lateral). O problema, dizia-se na bancada, era a falta de um "Plano B", de uma alternativa a este sistema.

José Guilherme surge, por sua vez, com dois sistemas de origem: um 4-3-3 e um 4-1-3-2. O 4-3-3 tem muito pouco do patenteado por JC: a novidade é que há sempre um elemento do meio-campo que permanece estático para prevenir o contragolpe (tenta-se uma maior eficácia defensiva em detrimento da produção atacante), o que obriga a movimentos (sobretudo "verticais") bem diferentes. Já o seu outro sistema, o 4-1-3-2, opta nitidamente por um futebol de contenção, de expectativa e, se possível, de "posse" (o que tem muito potencial face a equipas ditas "grandes", mas "emperra" demasiado o jogo quando, como ontem, a ordem é vencer o encontro). O problema é óbvio: uma equipa que pressione "em cima" do portador da bola, provoca muitos erros na entrega da bola e a preta só consegue sair com passes longos (que, normalmente acabarão nos defesas adversários). Num e noutro caso, o jogo perde fluidez e, pior ainda, objectividade. Ontem viu-se tudo isto ao vivo e a cores. Dir-me-ão: "- Ah e tal, mas marcámos 3 golos!". Pois marcámos: um de bola parada, um erro brutal do Rui Rego e uma carambola... Isto não é objectividade, é outra coisa...

O problema maior reside na defesa: o posicionamento do "6" no terreno, normalmente "encostado" à área (como um "3º central", nas palavras de M.M.), com o objectivo de tornar a defesa mais sólida e assegurar que está sempre por perto um jogador que assegure uma saída "com bola" na transição ofensiva (momento em que a defesa ganha a bola para lançar o ataque), é um princípio coberto pela melhor das intenções. Mas, ao que temos verificado, não faz uma coisa, nem a outra: e chegamos, então, ao busílis da questão.

Recuar tanto o meio-campo (que é o que a nossa equipa gosta de fazer mal se apanha em vantagem...) é uma asneira de todo o tamanho, sobretudo quando o adversário é mais fraco ou do mesmo nível. Ao pressionar atrás, "colando" o trinco aos centrais, a equipa arrasta consigo o jogo adversário para perto da sua área (e a única vez que vi resultar esta estratégia foi no Inter de Mourinho em Barcelona no ano passado, e mesmo aí...). Por outro lado, mais grave ainda, é a saída para o ataque: é que, quando a bola é cortada, é aliviada "para a frente", para o espaço onde devia estar o tal trinco, que sairia a jogar. Mas ele não está lá: está dentro da área ao lado dos centrais. Quem aparece nesse espaço são os avançados adversários que ganham a bola logo aí, podendo relançar o contra-ataque logo no nosso meio-campo (veja-se o que se passou ontem entre o minuto 8' e 34')... Quando assim não acontece, faltando alguém ligeiramente à frente para sair em "posse", a alternativa é "bombear" passes de 60 metros. O resultado mais provável num e noutro caso é a perda de bola. Ridículo? Então vejam bem as jogadas do 1º e 3º golos do Beira ainda ontem e pelo menos outras boas 3 ou 4 ocasiões que os seus avançados enjeitaram. Resultado: um equipa muito "medrosa" (lá está...) e, pior do que tudo, ineficaz nos seus próprios princípios de jogo...

Por fim, deixo-vos ainda outro sinal alarmante: a "contratação" de Adrien (que, à excepção dos dois últimos jogos, tem sido uma grande mais-valia) em detrimento de um central não é inocente. É sinal de que, muito em breve, estaremos a jogar sempre naquele 4-1-3-2 defensivo: a iminente saída de Sougou, sem que tenhamos um substituto à altura, obrigará a isso mesmo...

Mais uma vez, deixo aqui escrito que não sou um perito na matéria, mas creio que não fazia mal ao Professor estar atento a estes aspectos importantes. A bem da nossa Briosa...

Saudações Académicas,

Pedro Monteiro Almeida


8 comentários:

Tiago Fernandes disse...

Distinto amigo,

Vou tomar a liberdade de tentar acrescentar algo ao teu fantástico post.

Quando vemos a Briosa em campo percebemos que ela fica a meio do caminho. Nem é um 4-3-3 bem definido, nem um 4-4-2 com os jogadores bem posicionados e muito menos um 4-1-3-2 eficiente.

O problema para mim não está em Nuno Coelho, jogador que de resto aprecio e que considero ter uma classe acima da média.

A questão está em que o plantel foi mal construído de raiz, notando-se isso em campo. Não temos um verdadeiro ponta de lança. Logo temos de jogar com o Fidalgo (com os resultados de ontem) ou com o Éder que é um excelente avançado mas não um matador. Flanqueadores temos 3 (ainda assim deveriam ser 4). Centrais, de jeito,um(deveriam ser no mínimo 3). Já no meio campo, contamos com 6 centro campistas.

Parece-me óbvio que, não obstante o bom nível de cada um deles, com um plantel assim, não jogarmos em 3-5-2 é obra.

Já alguém dizia que os campeonatos ganham-se na pré-época. Eu,adaptando, diria que as nossas dificuldades começaram aí.

É que o futebol não é um clube de vídeo. É necessário definir um modelo para depois escolher os executantes.

É pena que ainda se contrate olhando para o computador e não segundo uma determinada filosofia.

Saudações académicas.

mitic0 disse...

Excelente análise táctica.

Perdoa-me que seja breve, mas o teu texto fala por si.

Abraço.

mitic0 disse...

PS: fiz questão de chamar a atenção do uso de posts sem autorização prévia, e sem a referência ao autor no " FutebolPortugal".


Até Breve.

Sarabia disse...

Caros:
Os amigos não acham que estão a pôr a fasquia demasiado alta?
Eu explico.
O vosso espaço tem imensa qualidade, muita mesmo, mas corre o risco de não ser compreendido e entendido no essencial.
Esta análise é muito boa e, resumindo traduz uma opinião pouco abonatória sobre o nosso treinador.
Acontece que nem todos estarão para ler textos muito longos e tão qualitativos, daí deixar uma sugestão, ainda que possa estar errado: a de escreverem de forma mais sucinta e apelativa que a maioria da quantidade chega lá mais depressa e a minoria da qualidade entenderá o essencial.
Peço desculpa pela franqueza, mas apenas escrevo isto porque seria importante que o vosso espaço fosse lido por muitos mais académicos...ou então sigam o vosso rumo que também há-de dar resultados, quiçá mais tardios.
A análise é mais uma vez muito boa.

Briosa para sempre

pmalmeyda disse...

Caro Sarabia,

Mais uma vez, acertou em cheio: também já me questionei sobre se a minha forma de escrever seria adequada para este tipo de espaço...

De qualquer forma, falando por mim, tentarei ser um pouco mais conciso (não tenho a certeza de que o consigo fazer, pelo menos para já...), porque o nosso objectivo é, precisamente, conseguirmos chegar ao maior número possível de Académicos.

Quanto ao treinador, talvez precise de um pouco mais de tempo (por enquanto, acho que tem de mostrar muito mais...). Felizmente, tem "almofada" pontual para isso... Em abono da verdade, reconheço-lhe já uma qualidade: já revelou alguma capacidade para "ler o jogo do banco"... De resto... Vamos ver...

Saudações Académicas

pmalmeyda disse...

TF, companheiro,

Não falo do Nuno Coelho em concreto (que até nem fez um mau jogo), mas da colocação do trinco no terreno...

De resto, não podia concordar mais contigo e fico a aguardar o teu texto sobre a matéria (a parte 2 do texto que escreveste aqui abaixo).

Abraço

Anónimo disse...

Excelente post!

Tiago Fernandes disse...

Pedro,

Tendo em conta o que quero abordar, terá de ser repartido por mais de um post.

Caro Sarabia, tentarei escrever de forma mais sucinta, muito embora dada a complexidade dos assuntos, não se afigure tarefa fácil.

Saudações académicas