09/01/08

José Belo ao Diário de Coimbra

«Vamos ter projectos alternativos, mobilizadores, com novas ideias com rostos apetecívei
O ex-presidente do Núcleo de Veteranos da Académica tem sido apontado como possível candidato às próximas eleições da Briosa. Em entrevista ao DC, José Belo não assume a candidatura mas faz um balanço negativo da actual gestão. Fala do passivo de 11 milhões, diz que há indefinições ideológicas e e acredita que «a memória dos sócios não é curta e, portanto, o balanço tem de ser global»

Diário de Coimbra - Como é ser presidente do Núcleo de Veteranos de um clube com a história e o prestígio da Académica?
José Belo (JB) - É um verdadeiro festim, onde se exaltam os sentidos e a alma académica, mas também uma grande responsabilidade que exige firmeza nos princípios e nos valores fundamentais que assumimos como rota de destino, desde que vestimos a camisola negra da Académica. Assinalo que nos mantemos orgulhosamente fiéis ao tempo que demos a esta Instituição, mas não temos uma visão lamechista do passado. Queremos e estamos sempre disponíveis para ajudar a construir futuro com sucesso desportivo e social.

DC - Apesar do seu “peso” histórico o Núcleo não tem tomado posição formal em momentos mais quentes da Instituição...
JB - Não posso concordar consigo. Grave seria poderem acusar-nos de termos banalizado a nossa intervenção acerca da vida da Académica, apesar de instados para o fazer, amiúde. Ninguém nos viu pôr a boca no trombone ou alinhar no bota-a-abaixo. Sem pretensiosismos, julgo que interviemos, pontualmente, tentando sempre aprofundar construtivamente o debate sobre a Académica. Porque entendemos que debater não é dividir. A concepção de unidade não pode deixar de fora um amplo espaço de reflexão dos académicos que importa mobilizar. A AAC/OAF não pode acolher dentro de si própria alguns dos piores tiques das organizações que não têm uma cultura participativa. Na AAC/OAF o silêncio nunca foi mais importante do que as palavras responsáveis. Mas há uma coisa que resultava sempre clara das nossas intervenções: o Núcleo de Veteranos nunca será barriga de aluguer de qualquer Direcção, porque o seu compromisso é só com a Académica. E isso às vezes incomoda...

DC – Como define o actual momento da Académica?
JB - É importante definir claramente qual o rumo que se quer seguir: saber, de uma vez por todas, se só se quer a bola no fundo da baliza (e aí justificam-se as aquisições por atacado, como vem acontecendo), ou se nos queremos manter fiéis aos nossos valores, à nossa cultura, à nossa diferença para ganhar o futuro, onde também sabemos que é preciso fazer algumas concessões à nossa pureza original, mas onde possamos recriar um modelo à século XXI, que harmonize saudavelmente a formação e a competição e nos faça bandeira do êxito. Como diria o Torga, devíamos fazer com a Académica o que certos autores exigentes fazem com os livros que escrevem: “ refundir sempre que possível a versão original”.

DC – Sim, mas o futebol de hoje é bastante diferente daquele em que a Académica ganhou prestígio e notoriedade.
JB - Sim, os tempos mudaram. Daí a necessidade de um debate profundo onde se saiba se queremos cartelizar a Académica, ou se queremos ser o que sempre fomos, isto é ambiciosos, generosos, éticos, socializantes, formadores, competitivos, ganhadores, sem perder o sentido do futuro. Só seremos respeitados, seguidos e admirados, como exemplo, se soubermos ser dignos da nossa diferença.

DC - E a Académica está a ser cartelizada ?
JB - Às vezes temos de usar palavras fortes para antecipar soluções que evitem mais derivas. É nesse sentido que eu falo em “cartel”. Mas não deixo de lhe dizer que eu não queria para a AAC/OAF este modelo de funcionamento do passado recente, com o devido respeito que me merecem todos os que lhe dão o melhor que podem e sabem. Além de muitas outras soluções, que muitos sócios não subscrevem, julgo que a política desportiva tem sido desastrosa, como ressalta da relação entre o investimento e o retorno que no final de cada época houve. As cerca de 90 inscrições de novos jogadores, desde 2003, são bem o espelho de que tem falhado a estrela polar e o rumo do bom senso académico. O ano passado até se falou na Europa e nem a Vilar Formoso chegámos. Muitos de nós fomos apenas até Fátima pôr uma vela, porque andámos até ao fim com o credo na boca.

DC – Mas, em concreto, o que é que se pode fazer para mudar esse rumo?
JB - É preciso encontrar respostas para as nossas actuais fragilidades éticas e desportivas sem mais delongas, para não hipotecar o futuro. E isso só se faz com mudanças de estratégia, dos métodos, procedimentos e opções. O nosso orçamento é relativamente gordo pelo que se não houver ideias magras, se formos muito competentes na área do futebol/formação julgo que se poderá fazer mais e melhor, evitando desacertos que nos ficam caros como sucede na área das contratações/rescisões, onde não temos sido muito felizes.

DC- Fala como um potencial candidato às próximas eleições...
JB – Não é essa a minha intenção. Estou apenas a falar como sócio preocupado com a Académica. Sou apenas um entre tantos que estão de alma e coração sensíveis à necessidade de uma dinâmica de mudança. Mas é incontornável que as próximas eleições estão já ao virar da esquina. Estou convencido que vai haver a possibilidade salutar de se poderem fazer escolhas. Se houver alterações dos protagonistas, quem vier a seguir tem que abrir a passada e remendar o que achar torto. É normal. Mas isso reclama a disponibilidade dos melhores. Felizmente a Académica é muito rica em valores. Se pensarmos um pouco não se torna difícil elencar 4 ou 5 nomes. Assim, de repente: Vítor ou Mário Campos, Manuel António, Castanheira Neves, Manuel Queiró...sem evidenciar aqueles que já se perfilaram. Ora, para mobilizar os nossos melhores, o que não é o meu caso, é preciso ter bem a noção da dimensão real dos problemas.

DC – E que problemas o preocupam mais ?
JB - O último relatório do ROC não anuncia que corre “leite e mel”, evidenciando alguns aspectos redutores na certificação das contas em 30 de Junho de 2007 e no seu parecer sobre o orçamento para a época de 2007/2008 faz um aviso à navegação, referindo que os resultados nele estimados podem vir a ser diferentes dos previstos e as variações poderem até ser significativas. E o passivo técnico ronda, nessa data, os 11 milhões de euros!!!, digo eu. É certo que o orçamento passou, não com o meu voto, porque na altura em que foi aprovado quase se poderia dizer que era mais um orçamento misto de despesa já feita e a fazer. Mas quem se quiser pôr na linha de partida para o próximo acto eleitoral e não procurar só a notoriedade, quem não quiser gerir negócios ou interesses à volta do nosso emblema, com certeza que não fará opções cegas, voluntaristas, porque o que está em jogo é demasiado importante para ser decidido levianamente. É preciso ter bem a noção de que se está a falar de uma Instituição em que milhares de pessoas têm uma parte importante dos seus afectos.

DC- Mas admite em algum cenário ser candidato? Depois de vários actos eleitorais com mais do que uma lista, se José Eduardo Simões se apresentar sozinho às urnas isso representa o quê para si?
JB - É a primeira vez que alguém da comunicação social me coloca esta questão. Eu julgo que a maneira como respondi à sua anterior pergunta já deixa vertida mais de metade da resposta. Muitos sócios sentem que a Académica precisa de um safanão. Que mais vagares na assunção dos problemas representarão esperas no futuro... E alguns, generosamente, têm avançado com nomes para liderar eventuais candidaturas, inclusive o meu. Outros sócios têm mesmo assumido a sua disponibilidade, o que é louvável. Sobretudo, porque a situação actual da Académica não é fácil, na minha perspectiva. Sou o primeiro a reconhecer que há situações e factores de crise que convém reter para reflectir e encarar de frente, porque há que averiguar as causas e tirar daí as respectivas consequências. Há toda uma patologia instalada que já vem lá bem detrás e que tem sido acentuada nos últimos tempos. Há indefinições estruturais, ideológicas... Ora os “fazedores” do futuro são os sócios. Que Académica querem eles? Numa Instituição como a nossa a mudança não vai surgir só porque se fala nela. Sem força, sem crer, sem golpe de asa, sem corresponsabilização será apenas uma palavra nua, esvaziada...e quem acredita que esse envolvimento dos sócios pode fazer renascer o sonho, sentir-se-á muito desencantado se só houver uma candidatura. Seria constatarmos que à actual incapacidade de esta Direcção nos ter dado uma gestão sócio-desportiva entusiasmante, somar-se-ia o desinteresse dos mais “dotados” em virem propor alternativas, revelando uma abulia que eu julgo não ir acontecer. Vou acreditar que vamos ter projectos alternativos, mobilizadores, com novas ideias, com rostos apetecíveis, a lutar por uma Académica melhor.

DC – É possível aliar os novos tempos às especificidades na Briosa?
JB - É preciso ter como referência permanente a questão ideológica, aquilo que eu já evidenciei, na “Bola”, como a nossa Magna Carta, mas também saber arrumar a casa sem uma “gestão musculada, arrogante, ríspida”, mobilizando todos à volta do núcleo fundamental dos nossos valores, tendo engenho para encontrar o ponto de equilíbrio entre a ambição desportiva e a dimensão social. Nesse ponto de equilíbrio estará a chave da nossa diferença. Ora, só juntos, sem “trapalhadas”, com força, vontade, determinação, empenho e participação é que poderemos recuperar o nosso lugar no panorama sócio-desportivo nacional onde já fomos uma Instituição invejada.

DC- Mas como o Presidente da AAC/OAF referiu, há muito que o clube não estava tanto tempo seguido na primeira divisão. E a Academia Dolce Vita é uma obra assinalável..
JB - É verdade que nem tudo foi mau, como é óbvio, nem eu quero que das minhas palavras ressalte qualquer desprimor para o esforço que tem sido feito por todos os que servem desinteressadamente a AAC/OAF. As divergências têm a ver com o “modus operandi”, não têm nada a ver com os “rostos” que respeito e onde, por exemplo, nesta direcção, há até pessoas das minhas relações que muito prezo e estimo – Vasco Gervásio e Fausto Pereira. De facto, a inauguração da Academia Dolce Vita/Complexo Desportivo Dr. Francisco Soares é um momento bonito da nossa Académica, onde tinham cabimento palavras de grande exaltação académica, evitando omissões ou intervenções “boomerang”para tudo ser entusiástico e elevado. Pensar isto não era pedir milagres nem impossíveis. Era querer apenas aquilo que me parece da mais inteira justiça evidenciar: o envolvimento na realização da “Obra” das duas anteriores Direcções e dos últimos Presidentes da Câmara – Manuel Machado e Carlos Encarnação. Mas não. Pelo que vem nas linhas e entrelinhas das notícias, as coisas não correram tão bem quanto o momento justificava e até o secretário de Estado do Desporto precisou de ir à bruxa para ser defumado depois dos discursos... Andamos tão falhos de alegrias que foi pena, neste caso, não se saber unir e galvanizar os sócios. Tudo começou torto quando se polemizou logo o nome ao alterar-se, nos gabinetes, a decisão da Assembleia Geral... Mas a obra, felizmente, está ali, muito para além destes incidentes, a desafiar o tempo e a poder contribuir para rasgarmos melhores caminhos sócio-desportivos. Bem precisamos, diga-se. Contudo, a memória dos sócios não é curta e, portanto, o balanço tem de ser global, porque é essa globalidade que nos indica o rumo que tem sido seguido e nos avisa da estratégia (ou falta dela) que foi imprimida à Académica nestes últimos tempos. Por isso, creio não ser desrazoável afirmar que recentemente a gestão da vida da AAC/OAF tem tido vários acidentes de percurso, onde se viu confrontada com um arsenal de factos que são, inequivocamente, corpos estranhos aos valores e princípios que sempre marcaram a nossa Instituição.

DC – Está a falar do processo judicial que envolve o presidente da Académica? Acha que o presidente José Eduardo Simões se deveria ter afastado quando foi pronunciado?
JB - Estou a falar de alguns factos de um passado recente que constituíram até matéria de opinião. Para não entrar em pormenores também lhe digo que mesmo que me ficasse pelo simples registo desses factos que foram noticiados e não caísse a apreciar as suas consequências, aqueles são manifestamente passíveis de séria preocupação académica. E os Veteranos, os sócios e os simpatizantes da Académica sabem bem do que falo...porque muitos, cada vez mais, têm bem a consciência do esforço que é preciso fazer para contemporizar com certas situações. Eu acho que o caminho que está a ser trilhado tem sido muitas vezes polemizado, justamente, e nem sempre constituiu um exemplo de boas práticas. Mas, para não deixar de lhe responder à última parte da sua pergunta, digo-lhe que quem dirige a Académica tem que ter a sensibilidade político-desportiva necessária para saber quando é que deixa ou não de acrescentar valor à colectividade, quando os seus problemas pessoais podem ou não contender com os interesses da Académica e com a sua imagem. Ora, a permanência em funções do actual presidente evidencia a leitura que o mesmo faz do equilíbrio e ponderação dos interesses a que aludi. Outra é, naturalmente, a leitura que muitos sócios fazem, na qual me incluo.

DC – Porque só agora está a colocar o dedo na ferida?
JB - Sabe, o presidente dos Veteranos tem uma responsabilidade institucional que o sócio que agora está a falar consigo não tem. Daí a franqueza alargada e construtiva desta reflexão despretensiosa sobre a AAC/OAF, que não seria de “bom tom” ter enquanto presidente dos Veteranos.

Sem comentários: