19/01/11

Da contratação à gestão do vínculo contratual dos jogadores de futebol: aspectos básicos e ideias de sustentabilidade (Parte I – Da contratação)

Com a chegada do mês de Janeiro, chega também o período de reabertura do mercado de transferências de jogadores e, em muitos casos, a possibilidade de lançamento de ofertas para a contratação a custo zero de jogadores para a próxima época por força de um dos artigos da parte decisória do famosíssimo “Acórdão Bosman”. Apenas a adequada percepção acerca dos princípios básicos de funcionamento deste segmento tão específico pode permitir aos clubes de futebol, tanto tirar partido de oportunidades que eventualmente surjam, como evitar ser alvo das investidas de outros clubes mais fortes, mais preparados ou, simplesmente, mais ricos. Deixamos aqui algumas ideias que, na nossa modestíssima opinião, podem ajudar na orientação daqueles que têm a seu cargo tal tarefa.

Como em quase tudo, há várias formas para alcançar um determinado objectivo. Se o objectivo é, simplesmente, contratar jogadores para “encher” um plantel, basta procurar nas listas da FIFA o nome de um ou dois agentes certificados e encomendar DVDs (às vezes , até basta procurar no YouTube). O passo seguinte da venda por catálogo é a visualização das preciosas peças no conforto da cadeira rebatível de um chamado gabinete de prospecção (que, com um funcionamento deste tipo até podia chamar-se sala de cinema...). Identificados os craques (que são quase todos...), convém escolher tendo em conta as possibilidades do clube e, com uma triagem deste tipo, selecciona-se o alvo (normalmente um novo Messi, armado até aos dentes com truques e fintas que mudarão o futebol). Posto isto, segue-se a negociação: uma vez que o jogador já está a ser seguido pelo Real (talvez o de Massamá...), e é preciso ser encomendado ao Mato Amazónia FC, há que preparar uma oferta que convença o prodígio a rumar a Portugal. A esta oferta acrescem as comissões do empresário, do clube formador, do pai e da mãe, os custos com a obtenção de vistos, seguros de saúde e de trabalho, a taxa para obtenção de certificado internacional, as viagens, a mansão e um carro para o menino se deslocar, entre outras... Acertados os termos do contrato, encomenda-se a preciosa mercadoria e prepara-se uma conferência de imprensa a condizer para apresentar aquele que será, no período máximo de dois anos e a avaliar pela produção cinematográfica, o novo Fenómeno (seguramente...). Chega o contentor e com ele o dia tão esperado, o dia em que teremos entre nós um Cristiano Ronaldo tão bom como o original: e a nova estrela aparece, em regra, com imagem a preceito e promessas de futebol a sério, não há que desconfiar. Na primeira fila, os adeptos aplaudem, cheios de esperança e aguardam com expectativa pela season debut, onde verão o tal futebol. Numa tarde solarenga de Domingo, a bola começar a rolar e, jogada após jogada, ainda não se viu o tal futebol ronaldesco e os mesmos adeptos ficam impacientes. Mas há que dar tempo ao prodígio: o futebol está lá (e os DVDs atestam que sim...), mas ainda não veio ao de cima porque o jogo aqui é mais rápido, está mais frio e os adversários são muito duros (pois... outra forma de dizer que aqui não são pinos de contornar). Jogo após jogo o resultado é o mesmo (ou seja, nenhum...) e os adeptos assobiam, o treinador desiste e a promessa dá lugar à certeza: não há Ronaldo, mas há Ronildo, em nada superior a muitos jovens que militam nas nossas Distritais... E pronto, lá se vai a esperança, fica o buraco no orçamento do clube e mais um jogador na folha salarial... Já aconteceu mais vezes do que desejaríamos na nossa Briosa.

A esta chamaremos a forma ERRADA de contratar um jogador.

Há outra forma: a que dá trabalho a sério, a que implica uma organização, uma estrutura e horas e horas a ver jogos de futebol. E esta não é fácil de encontrar entre nós: implica semear para depois colher, implica acompanhamento no crescimento, implica gente competente e com brio profissional, implica tempo e paciência e uma aposta firme no futuro... Lá está: trabalho...

No início de cada época, atentos os respectivos objectivos do clube, deve fazer-se um levantamento sério das necessidades prementes da EQUIPA PRINCIPAL (deixaremos o futebol de formação para outras considerações). Esta tarefa deve caber ao treinador (o que implica a contratação de um treinador que possa começar a trabalhar o mais cedo possível), que depois as transmite ao director desportivo e ao respectivo departamento de prospecção. Mandam os cânones do futebol que cada equipa deve ter 2 jogadores de campo de qualidade para cada posição (para fazer face a eventuais indisponibilidades), e 3 guarda-redes (dois de créditos firmados e uma aposta de futuro). A “qualidade” que se pode adquirir deve atender, desde logo, às ambições e aos cofres do clube: deve comprar-se tendo em conta a relação qualidade/preço e a disponibilidade (e a vontade) do jogador para representar a equipa.

Como o que aqui nos interessa é a nossa Briosa, onde e como devemos contratar?

Ora, um clube como o nosso (sem grande poderio financeiro e ambições – ainda - moderadas) terá todo o interesse em potenciar os seus recursos: a academia, os respectivos clubes-satélite e a influência na respectiva área regional. É por aqui que a busca deve começar: não há necessidade de recorrer a outros meios quando já temos perto de nós o que procuramos (será bom, por isso, fazer também um levantamento do que melhor existe neste contexto). Quando este não seja o caso, é necessário adquirir passes de jogadores ou recorrer a empréstimos. Sou muito mais a favor da primeira opção: temos de valorizar os activos próprios em detrimento dos alheios (a segunda opção é aconselhável quando o clube não possa ou não deva comprometer-se com soluções a longo prazo). Note-se, desde já, que para a Académica só se deverão contratar jogadores em free transfer (jogadores que possam assinar sem pagar qualquer quantia a outro clube).

Assim, será necessário passar a um trabalho de prospecção, o que implica um departamento estruturado: um responsável máximo, próximo do treinador, 2/3 colaboradores especializados e colaboradores livres (que não sobrecarreguem a folha salarial do clube). Os colabores livres podem ser ex-jogadores, gente da casa e, em último caso, os próprios adeptos. Admito que pareça estranho, mas a tarefa destes seria meramente indicativa: a avaliação efectiva do jogador seria feita por aqueles 2/3 especializados ou pelo responsável.

Há, depois, vários parâmetros a ter em conta: deve ser dada preferência a jogadores nacionais (gente que fala a nossa língua, que está habituada ao nosso país e ao nosso campeonato) e a jovens (a margem de progressão é sempre muito importante). Neste grupo caberão também os jogadores que, embora estrangeiros, estejam plenamente adaptados à nossa realidade por já jogarem no nosso país. Apenas se deve lançar mão de outros recursos quando não se encontrem os alvos desejados atendendo ao binómio qualidade/preço (e aqui há que imputar aqueles custos adicionais a que já fiz referência). Nestes casos, a busca deve ser efectuada segundo diferentes círculos de prospecção: primeiro a Europa e depois os outros Continentes, uma vez que o futebol europeu tem características muito específicas que podem causar dificuldades de adaptação a futebolistas com outras proveniências.

Identificado o alvo passa-se então à contratação: normalmente, no caso da Briosa (em que a margem de erro é mínima), o primeiro contrato deve ter a duração de apenas dois anos de forma a permitir ao clube reavaliar a situação do jogador ao fim da primeira época (poderá inserir-se uma cláusula de prorrogação automática de opção para o clube).

Da gestão do vínculo contratual falarei noutra ocasião porque o tratado já vai longo...

E pronto, estas são algumas ideias que poderiam orientar os responsáveis da nossa Briosa na contratação de jogadores (é que, apesar de básicas, parece que nem sempre têm sido seguidas...) para reforçar a nossa equipa de futebol.

Saudações Académicas,

Pedro Monteiro Almeida


4 comentários:

mitic0 disse...

Muito bom.


Concordo a 100%.
Penso no entanto que questão prévia ainda a uma política de contratação coerente, deveria ser a reestruturação do departamento de futebol sénior.

Embora muito tenha sido feito nos últimos anos, parece-me que os novos estatutos podem trazer boas perspectivas de uma melhor delimitação de competências.

"Esta tarefa deve caber ao treinador (o que implica a contratação de um treinador que possa começar a trabalhar o mais cedo possível), que depois as transmite ao director desportivo e ao respectivo departamento de prospecção".

Em ideal deverá ser isto, com a anuência final do vice para a área do futebol.

Agora se as coisas são assim que se passam..

mitic0 disse...

*anuência final para a contratação e um novo jogador, bem entendido.

mitic0 disse...

*contratação de um novo jogador.

:)

Tiago Fernandes disse...

Caro amigo PMAlmeyda,

Tenho o prazer de compartilhar contigo as opiniões que descreveste.

A Académica, com a sua história e implementação nacional, pode muito bem fazer uma trabalho de prospecção de âmbito nacional com baixos custos e enormes proveitos.

Este post é mais um belo exemplar da qualidade do nosso blog ;)

Abraçp