31/01/08

Entrevista de Maló de Abreu ao Diário de Coimbra

Com críticas directas a José Eduardo Simões e dando alguns sinais do que mudaria na gestão
da Briosa (por exemplo o contrato da TBZ passava a incluir também a Câmara), Maló de Abreu volta a lutar pela liderança da Académica. Não o faz por «obsessão», explica, mas porque tem «profundas divergências» com o actual presidente a quem acusa de «às vezes tratar o clube como se de uma empreitada particular se tratasse». A transparência, sublinha, será uma das suas bandeiras.

Diário de Coimbra (DC) - Que balanço faz do mandato de José Eduardo Simões ?
Maló de Abreu (MA) - Obviamente negativo! Desportivamente herdou a equipa na primeira divisão e prometeu o sonho europeu. Mas mais não fez do que mantê-la, ano após ano, em sofrimento e à beira da descida, à custa da contratação de muitas dezenas de jogadores, em processos mal ou nunca explicados aos sócios. Financeiramente é uma incógnita, porquanto não se sabe quanto deve a Académica/OAF, nomeadamente ao próprio Eduardo Simões, e o passivo disparou, apesar de ter arrecadado receitas como anteriormente nunca tinha acontecido. Institucionalmente para esquecer, porque se permitiu trazer para dentro da instituição os seus problemas pessoais ou profissionais e criar as mais profundas divisões de que há memória.

DC – Mas, desportivamente, há muitos anos que o clube não estava consecutivamente na primeira divisão e a academia Dolce Vita é algo que vinha sendo prometido há muito tempo. Estes dois feitos atenuam o passivo verificado?
MA - A Académica, felizmente, ao longo da sua história, só esporadicamente não esteve na I Divisão. E não foi nos mandatos de Eduardo Simões que ela regressou ao principal escalão do futebol português. Desportivamente, apesar das condições favoráveis, nunca antes existentes mas proporcionadas durante os mandatos do saudoso Dr. João Moreno, não tem sido concretizada uma política de valorização, que deveria basear-se na aposta crescente nas camadas jovens e nos da casa. Coimbra tem visto chegar e partir dezenas e dezenas de jogadores estrangeiros, Coimbra tem visto serem gastos centenas e centenas de milhar de euros e... para quê? Para a equipa continuar, apenas, a lutar até ao fim do campeonato pela manutenção! Com tanto dinheiro gasto e com tanto aumento do passivo, era obrigatório fazer bem melhor e garantir uma permanente estabilidade competitiva ao mais alto nível. O Complexo Desportivo Dr. Francisco Soares não é uma invenção nem um passe de mágica de Eduardo Simões, mas a continuação de uma obra em que muito já estava feito: terrenos doados pela Câmara Municipal e relvado a funcionar. Quanto ao resto, que é sempre de louvar, saber-se-á a seu tempo a opinião dos credores...

DC - Da sua parte, apesar de ter perdido por uma curta diferença, verificou-se um certo afastamento e a sua ausência foi notada na mais recente Assembleia-Geral, provavelmente a última antes das eleições. Está desencantado com a Briosa?
MA - Não estou desencantado com a Briosa. Isso, aliás, é impossível. A Académica faz parte da minha vida, desde a juventude. Fui presidente da Associação Académica de Coimbra em 1979 e fui presidente da Comissão Central da Queima das Fitas em 1980, a primeira que se realizou após 11 anos de interregno. São vivências inesquecíveis e marcantes de que me orgulho em ter participado activamente! Mas tenho estado muito atento à situação para que resvala a Académica/OAF. E estou sim descontente com a postura de dirigentes que não acrescentam, não trazem nada de positivo. Agora, não esperem de mim meias palavras ou que não reafirme, finalmente em público, o que previa há mais de três anos atrás. E que fui constatando calado, porque a política da terra queimada e do quanto pior melhor ou da participação em grupos organizados não faz nem nunca fará o meu feitio nem a minha forma de estar na Académica. É chegado o tempo de voltar a dar voz aos sócios e eu não me escondo ou fujo às minhas responsabilidades passadas e futuras. Já dei a cara em 2004, numa situação difícil, em que tudo era previsível e foi por mim claramente explicado, sendo que a maioria entendeu dar uma oportunidade a Eduardo Simões. Só que as instituições democráticas têm destas coisas, possivelmente maçadoras para alguns: este volta a ser o momento da verdade!
DC - Admite, assim, ser candidato nas próximas eleições? Como comenta os nomes que se têm perfilado para concorrer contra o actual presidente?
MA - Eu sou candidato a presidente da Direcção da Académica/OAF. Assumo esta candidatura com redobrado empenhamento e vou levá-la até ao fim. Acrescento que convidarei apoiantes de Eduardo Simões nas últimas eleições para se juntarem a este projecto. Porque mais do que uma candidatura contra alguém, esta será uma candidatura pela Académica. E deste primeiro sinal cada um tire as ilações que julgar por convenientes acerca da forma como actuarei no futuro: unir os academistas a bem da instituição. Quanto ao resto, com o devido respeito, não comento nomes mas avalio projectos e a sustentabilidade dos mesmos. E não faço graça sobre hipóteses mas pronuncio-me sobre certezas, porque o assunto e o momento são demasiado sérios. A situação já é tão má que se o presidente actual, por mera hipótese, fosse reeleito, a instituição corria o risco de entrar num caminho sem retorno. As próximas eleições são a oportunidade para o clube romper com um passado recente nefasto, um presente envenenado e um futuro pautado pela ilusão. E não me espantaria que muitos vissem em tão irresponsável recandidatura uma forma de utilizar o cargo com objectivos que sinceramente me escuso de classificar e não quero acreditar.

DC – Está a falar do processo judicial que envolve o presidente da Académica. Entende que este devia ter abandonado o cargo quando foi pronunciado ou até ao final do julgamento vale a presunção de inocência?
MA - Quero, antes de mais, relembrar que alertei pública e antecipadamente para o perigo de se juntar o fogo à estopa. Porque assim estavam criadas as condições para um triângulo verdadeiramente infernal, em que os interesses políticos, do futebol e da construção civil passavam a coabitar em alegre e promíscuo convívio. Das previsíveis consequências vão-se sabendo os resultados, sendo certo que preocupa-me o que está para vir. É evidente que Eduardo Simões devia ter suspendido o cargo quando, em Setembro de 2007, foi pronunciado pelo Tribunal de Instrução Criminal de Coimbra. Caberia aos órgãos sociais decidir se completava o mandato ou se propunham a convocação de eleições antecipadas. Eduardo Simões, por funções públicas que desempenhou quando já era dirigente do clube, foi acusado, há um ano, pelo Ministério Público, pela eventual autoria de oito crimes de corrupção passiva. Por ocasião da imputação dos crimes, a Direcção prometeu uma tomada de posição pública quando o TIC emitisse a decisão instrutória. Houve lugar a despacho de pronúncia, que é uma confirmação da acusação deduzida pelo Ministério Público, e nem uma palavra a Direcção proferiu. Quanto à presunção de inocência, é claro que abrange todos os arguidos, mas ela não é mais do que um princípio de apreciação da prova, princípio que consiste em o juiz encarar o réu como supostamente inocente, devendo ser ilibado se prevalecerem dúvidas sobre a prática do crime. A presunção de inocência é isto e não deve ser invocada para o presidente da Académica/OF permanecer em funções. Um dia, quando se fizer o balanço da sua passagem pela instituição, saber-
-se-ão os prejuízos que causou ou a mais-valia que eventualmente trouxe. Não me peçam para fazer julgamentos antecipados e que competem a outros ou de que a história se encarregará naturalmente.

DC - A actual Direcção tem-
-se debatido com alguns problemas na relação com a TBZ. Este contrato é positivo para a Briosa?
MA - Sou a favor de uma renegociação do acordo com a TBZ. Se as relações entre as instituição não são as melhores, é normal que surjam problemas. Defendo um novo acordo tripartido que envolva a Câmara, a Académica e a TBZ. De modo a que a cidade fique a ganhar, a Académica também e que a TBZ, como empresa privada, possa exercer a sua actividade.

DC - O sócio Luís Santarino queixou-se recentemente de não ter cópias de alguns documentos que entende essenciais para avançar com uma candidatura...
MA – O que há para esconder? Eu sou a favor da transparência e acho que essa também pode ser a nossa diferença. Há assuntos que durante uma fase devem ser secretos mas depois devem ser revelados publicamente. Eu quero que o futebol seja transparente e que os negócios sejam claros. O mundo do futebol ainda tem muito de jogo escondido e eu sou claramente a favor da transparência. Por exemplo, eu não sei quanto é que a Académica deve ao próprio José Eduardo Simões. Qual é o valor dessa dívida? Confesso que tenho sérias dúvidas sobre as contas da Académica.

DC – Que comentário lhe merece a construção de um novo estádio da Académica, como foi anunciado, pelo presidente da Académica, na gala que decorreu no Casino Estoril?
MA – Eu fui contra a construção daquele novo estádio naquele local, mas a partir do momento em que foi construído parece-me um absurdo falar-
-se num terceiro estádio na cidade, porque é preciso não esquecer o Estádio Sérgio Conceição. Qualquer presidente pode dizer que o quer construir, mas depois é preciso construí-lo e ter dinheiro para o fazer. Não vejo quem possa apoiar uma ideia absurda como essa.

DC – Estas eleições vão ficar inevitavelmente marcadas pelo caso que envolve a situação de Álvaro Amaro e o atraso no pagamento das quotas que, tudo indica, o vão impedir de participar no próximo acto eleitoral.
MA – Acho lamentável a forma como a Direcção da Associação Académica de Coimbra se comportou num assunto meramente administrativo. Estamos a falar de alguém que já foi, entre outros cargos, presidente da Assembleia-Geral da instituição. Foi uma tentativa de achincalhamento pessoal e Álvaro Amaro não o merece. Esta situação deveria ter sido tratada com bom senso e não o foi.

DC - O projecto que apresentou aos sócios nas últimas eleições continua actual?
O projecto continua actual, porque respeita a alma da Briosa. A situação actual é que é muito mais grave do que a existente há três anos e meio. Ninguém desconhece que me candidatei à presidência da Académica/OAF nas últimas eleições. E que tendo perdido, apesar da escassa margem, assumi os resultados com a naturalidade de quem sabe que perder não é vergonha quando nos batemos por causas. Mas desenganam-
-se os que pensam que faço da presidência da Briosa uma obsessão. Só que não escondo que tenho profundas divergências com Eduardo Simões, que às vezes parece tratá-la como se de uma empreitada particular se tratasse. Divergências relativas à gestão económico-financeira e desportiva. Divergências inultrapassáveis no entendimento que faço da memória da Académica. Porque, para mim, a Académica tem um carácter próprio, um passado que nos orgulha, e cujo núcleo fundacional não pode nem deve ser beliscado. Sob pena de sermos exactamente iguais aos outros e deixar de haver um traço distintivo da nossa maneira de ser e de estar. Divergências insanáveis no modo como entendo os valores e os princípios que nos regem enquanto instituição e enquanto adeptos individualmente considerados. Princípios e valores que devem ser exaltados e não subestimados ou pura e simplesmente ignorados. Divergências irremediáveis na forma como perspectivo o futuro. Porque a Académica deve redefinir o seu futebol e dar atenção redobrada à formação. Porque deve voltar a jogar à Académica, nunca perdendo o fio condutor da aposta na formação humana. Divergências intransponíveis na forma como vejo o futebol, a instituição e o seu relacionamento com todas as outras instituições. Porque os dirigentes devem respeitar todos e cada um para se darem ao respeito. A Académica deve congregar sinergias, juntar vontades e transmitir esperança no futuro. Porque somos mais do que um clube, somos uma causa e devemos voltar a fazer do futebol uma festa que nos una a todos e que não nos divida. Divergências, finalmente, nos comportamentos. Porque os directores passam mas a instituição fica e continua. Porque a Académica de que falo e quero é dos academistas e os sócios não devem perder nunca o controlo da instituição. Por tudo isso, os comportamentos dos dirigentes devem ser sempre transparentes e inquestionáveis, colocando os interesses da Briosa acima dos seus interesses pessoais.

DC - Que modelo de gestão implementará caso seja eleito?
MA - Nesta fase irei manter o actual modelo de gestão (Regime Especial de Gestão REG), uma vez que entendo que tanto a Fundação como a SAD têm as suas lacunas e existem problemas que terão de ser resolvidos no imediato. Essa matéria terá de ser, futuramente, debatida com todos os académicos, tendo em conta que uma mudança do modelo de gestão terá sempre de passar pela decisão dos associados. Com o REG é possível arranjar mecanismos para reduzir o passivo da Académica, nomeadamente, com a concertação saudável entre as empresas de região. Temos é de encontrar formas de arranjar apoios para a Académica e eu sei como trazer esses apoios.

DC – Qual a sua ideia em relação à formação, um aspecto sempre muito falado em tempo de eleições?
MA – A gestão desportiva dos últimos tempos tem sido um desastre. Tentaremos acertar mais nos jogadores. Nos últimos anos têm sido cometidos erros brutais. Não admito que um jogador saia da Académica para o Marítimo ou para o Boavista, admito sim que saia para um dos três grandes ou para o estrangeiro. Por exemplo, comigo o caso Zé Castro não existia, foi um erro crasso um birra de quem dirigia os destinos da instituição. A ideia é reorganizar o futebol da Académica, dando, logicamente, um grande apoio à formação. Os bons valores da Académica não podem sair sem nenhum retorno para a instituição, na medida em que o clube tem de saber aproveitar o que tem de bom.

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